TBTexto: A verdadeira face da pororoca

01/04/2025 08:00
TBTexto: A verdadeira face da pororoca

Por Paulo Silber*

Pororoca e surf, quem diria... Antigamente, era até pecado convidar essas duas palavras para a mesma oração. Nos anos 70, por exemplo, o surf ainda engatinhava no Brasil e era visto como uma prática de jovens alienados ou ripongas. Uma imagem equivocada, é claro.

Da pororoca só se sabia, quando muito, pela pouca menção que lhe era feita nas aulas de Geografia, ainda no 1º grau (como a gente chamava o Ensino Fundamental), descrevendo-a como vilã. Até que o fenômeno foi filmado e exibido na TV, de forma sensacionalista.

E assim se mantiveram, surf e pororoca, discriminados e distantes, por anos a fio.

O surfe, porém, livrou-se logo da pecha, já nos anos 80. Deixou de ser um hobby de hedonistas, consagrou-se como esporte radical, gerou ídolos e tornou-se alicerce da indústria do Turismo em cidades litorâneas. Só na Califórnia (EUA) gera, por ano, 43 bilhões de dólares. No Brasil, estima-se, movimenta cerca de R$ 7 bi por ano.

A pororoca, coitada, ainda amargou quase três décadas de ostracismo depois de ser mostrada em 1973 no programa Amaral Netto, o Repórter - que, justiça se faça, foi pioneiro em documentar aquelas imagens. O jornalista chamou a grande onda de “Monstro das Mil Faces”, apresentando o fenômeno como uma entidade selvagem, ameaçadora e fora de controle.

Essa impressão habitou o senso comum até o final dos anos 90, quando os surfistas mudaram o rumo dessa prosa. De lá pra cá, pororoca e surf até surpreendem juntos, mas nunca mais se estranharam nas esquinas do vocabulário.

O ronco da grande onda ainda assusta quando a maré oceânica se eleva e duela com a correnteza dos rios, numa batalha de titãs que dissolve barrancos, solapa a vegetação e acua os ribeirinhos. Mas, uma vez decifrada pelos surfistas, a pororoca se revela. 

Assim como destrói, ela recompõe a paisagem, sedimentando novos terraços adiante. Se afugenta, ela também protege a fauna, recheando os estuários com partículas de vida. E finalmente, depois de tanto tempo encurralando os homens, ela agora os liberta, assimilando-os sobre o dorso numa convivência só permitida a quem aprendeu a respeitar a Natureza.

Foi cultivando esse respeito que os surfistas acumularam um importante conhecimento empírico sobre a pororoca. Aprenderam a valorizar o quinhão da Natureza que lhes favorece. Perceberam que felicidade gera felicidade.

Há 15 anos, nos estuários dos rios Araguari, Amazonas, Capim e Mearim, a Pororoca é o vetor dessa cumplicidade, gerando uma onda de alegria que se expande por todos os lados. Envolve os surfistas, pelo simples prazer de surfá-la, e contagia as cidades sob influência do fenômeno, pela chance de se reinventarem.

Essa transformação está documentada, aqui, em depoimentos e fotos fantásticas. Imagens e testemunhos banhados em adrenalina. Um projeto concebido e realizado à flor da pele, do qual participo com muita honra, como narrador. 

Com a emoção de quem desliza sobre uma década e meia de História, registrando a pororoca e sua brava gente na carne viva da memória brasileira.

* Apresentação do livro “Auêra Auara – A História do Surfe na Pororoca”, lançado em 2014 por Noélio Sobrinho e Paulo Silber.


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